por João Aníbal Henriques
Depois de um interregno de mais de 50 anos desde a sua última
visita a Cascais, a Veneranda Imagem Peregrina de Nossa Senhora do Cabo
regressou à Nossa Terra, no ano de 2002-2003 retomando assim o milenar Círio
Saloio do Cabo Espichel.
A iniciativa do então Prior de Cascais, Padre Raul Cassis Cardoso,
foi essencial para a recriação daquela que é uma das mais antigas tradições
Cascalenses. Numa parceria com a Sociedade Propaganda de Cascais, que nessa
altura assumiu a responsabilidade de recuperar a memória ancestral daquele
importante acto devocional, foi possível reconstituir os rituais que a passagem
do tempo havia feito esquecer e recriar toda uma existência religiosa que há
muito tempo não existia nesta Freguesia.
Para o êxito desta iniciativa, que consolidou de forma efectiva a
Identidade Cascalense, foi essencial o trabalho conjunto e o apoio da então
Câmara Municipal de Cascais, presidida pelo Dr. António Capucho, da Junta de
Freguesia de Cascais, Presidida por Pedro Silva, e da Associação Humanitária
dos Bombeiros Voluntários de Cascais. Mas, acima de tudo, foi de primordial
importância a forma extraordinariamente empenhada e motivada que caracterizou a
participação dos cascalenses e das diversas instituições da sociedade civil de
então nas muitas cerimónias que fizeram parte deste Círio.
O Círio de Nossa Senhora do Cabo Espichel, expressão ancestral de
uma devoção profundamente ligada à terra e à sobrevivência das comunidades dela
dependentes, recupera a antiga lenda do aparecimento de Nossa Senhora a um
saloio de Alcabideche precisamente no ponto de ligação entre Cascais e Sintra.
O investigador Vítor Adrião, no seu livro “Sintra Serra Sagrada”, aponta
expressamente a sobreposição simbólica do Cabo Espichel, promontório sagrado da
Portugalidade, à imagem ideal do Monte Carmelo, eixo de Fé da comunidade
religiosa carmelita que em Cascais veio ocupar e dinamizar o antigo Convento de
Nossa Senhora da Piedade e que, dessa forma, congregou as mais sublimes
expressões da sabedoria sagrada na comunidade Cascalense. Diz Adrião que “os
dogmas teologais terão servido, tão só, de capa protectora, ante o vulgo
profano, ao entendimento iluminado da Sabedoria Divina oculta dentro das
paredes pias deste Colégio de Filosofia, esta que é, sabe-se, o umbral
dialéctico da Teosofia”.
O Círio Sagrado de Nossa Senhora do Cabo, profundamente sentido
pela comunidade cascalense, insere-se assim numa dinâmica de Fé da qual depende
a existência efectiva dos mais ancestrais arquétipos de pensamento de Cascais.
É essa ligação, quantas vezes menosprezada ao longo da História mais recente
desta terra, que determina e possibilita a criação e desenvolvimento dos laços
essenciais de cidadania comunitária na Nossa Terra.
A memória colectiva de Cascais, em 2002-2003 como em todas as
outras vezes em que a Imagem de Nossa Senhora do Cabo por aqui passou, ficou
profundamente marcada por este acontecimento que só se repetirá, no âmbito da
concretização da praxis determinada pelo ancestral círio saloio, em 2032. Nessa
altura, recuperando as memórias calorosas que marcaram o início do Século XXI e
o despontar do novo milénio, Cascais renovará os votos de Fé e devoção que
marcaram sempre a sua História, reforçando os vínculos de cidadania que esta
última visita de Nossa Senhora do Cabo foi capaz de fazer renascer.
A bem de Cascais!
Fotografias da autoria de Sara Liberdade