por João Aníbal Henriques
Cascais sempre foi uma terra
especial e diferente. O seu charme resulta da sua inesquecível paisagem e dos
extraordinários recantos que tem, mas também do carácter extraordinário das
suas gentes. Mas esta diferença, visível nos grandes e nos pequenos
acontecimentos que compõem o devir quotidiano da vila e do concelho, assenta na
força, na determinação, na coragem e num amor inequívoco por Cascais por parte de
alguns munícipes diferentes.
Desde 1364, quando Dom Pedro I a
libertou do jugo administrativo de Sintra, que Cascais foi tendo figuras
ímpares que, por amor a esta Nossa Terra, se entregaram totalmente à defesa das
suas gentes. Alguns eram ricos, outros nem tanto; alguns eram politicamente
poderosos, outros eram a antítese disso; alguns possuíam apelidos importantes,
outros construíram-nos nestas terras; mas há algo que os define a todos de
forma abrangente: a devoção por Cascais e pelos interesses dos Cascalenses.
Neste início de mais um Inverno,
quando os dias de Natal já estão tão perto, dedicamos a nossa homenagem
especial a um dos maiores Cascalenses de sempre. Armando Penin Gomes Vilar,
nascido em Cascais em 1889, foi durante muitas décadas a pedra angular sobre a
qual se construiu o Cascais em que vivemos.
Neto de João Gomes Vilar, o proprietário
da conhecida Escola do Arco, que se situava na rua que acedia à Praia da
Ribeira através de um arco ali existente, Armando Vila fez parte de uma as mais
marcantes gerações de Cascalenses. Do seu grupo de colegas que frequentavam a
escola do avô, faziam parte João de Avelar Lopes, que mais tarde fundaria o
Registo Civil, Guilherme Cardim, fundador da tipografia com o mesmo nome que
durante muitas décadas imprimiu quase tudo o que se produzia nesta terra, e
Joaquim Nunes Ereira, fundador do Casino Estoril.
Foi aliás este último, que
explorava uma casa de jogo situada junto ao mercado velho, quem desafiou
Armando Vilar para uma sociedade que haveria de mudar radicalmente a face do
velho burgo Cascalense. Depois de lhe ouvir contar os problemas que estava a
ter na Câmara Municipal onde trabalhava como amanuense, Nunes Ereira propõe-lhe
a criação de uma sociedade com o objectivo de explorarem o jogo nos casinos
existentes no Monte Estoril. Juntamente com Guilherme Cardim, Joaquim Ereira e
João Aranha, Armando Vilar reorganiza então o jogo no Casino Português, no
Casino Internacional do Monte e, mais tarde, depois de arrendarem a Fausto
Figueiredo o direito à exploração do jogo no Estoril, no primeiro casino
construído no Parque Estoril.
A Sociedade Estoril Plage, ainda
hoje existente e primeiro motor da actual Marina de Cascais, do Golfe do Estoril,
das Termas do Estoril e de vários dos mais emblemáticos hotéis da região, nascia
assim dando corpo ao desenvolvimento da marca internacional ‘Estoril’ e com ela
ao nascimento da vocação turística municipal de Cascais.
Tendo sido dinamizador do Casino
Estoril, Vilar foi um dos mais activos dirigentes da Junta de Turismo do
Estoril, na qual, com Abreu Nunes, deu forma a várias décadas de propaganda que
levaram a todo o Mundo o prestígio do Estoril e cujo sucesso marcou definitivamente
o assumir de Cascais como principal gerador do turismo Português. Nesse âmbito,
foi também fundador e Presidente da Sociedade Propaganda de Cascais, do Clube
Naval de Cascais e de muitas outras instituições da sociedade civil.
Mas não foi só no jogo que
Armando Vilar contribuiu para a construção da Nossa Terra. Depois de ter
adquirido a Quinta das Patinhas e uma parte substancial dos terrenos situados
no Vale da Ribeira das Vinhas, Armando Vilar recentrou as suas atenções no
apoio aos mais desprotegidos e a todos os desfavorecidos pela sorte que
abundavam nesta terra.
Conselheiro Municipal durante
muitos anos, intervindo directamente na política de requalificação da habitação
dos mais humildes cascalenses, foi um dos impulsionadores do movimento que
levou à construção dos primeiros bairros sociais de Cascais que, com mote bem
diferente do que hoje temos, pretendiam assegurar condições de vida condignas a
todos os munícipes através de campanhas de sensibilização e recolha de fundos
que envolviam todos os Cascalenses.
Na sua faceta social, foi um dos
mais marcantes provedores da Santa Casa da Misericórdia de Cascais, onde
durante mais de duas décadas tudo fez para dotar a vila de toda a espécie de
equipamentos. Foi a sua entrega à defesa intransigente de Cascais que permitiu
a construção da Praça de Touros, do Hospital dos Condes de Castro Guimarães, e
de muitas escolas, creches e equipamentos de apoio aos mais desfavorecidos que literalmente
mudaram a face do Cascais do seu tempo.
Quando faleceu em 1989, já com
cem anos feitos, Armando Vilar era ainda um dos mais activos defensores da
Nossa Terra. Garboso no seu porte de grande senhor de Cascais, continuava a
intervir amiúde na defesa dos interesses das suas gentes, mantendo a coragem e
a força que tinha utilizado quando tinha vinte anos para orientar esta terra.
Armando Penin Gomes Vilar
deixou-nos há já 27 anos mas, em cada canto e recanto de Cascais subsistem as
memórias extraordinárias de quem ele foi e daquilo que fez. Apesar de ter sido
agraciado com várias distinções importantes, como a Comenda da Benemerência, o
grau de Oficial da Ordem de Cristo, a Medalha de Dedicação da Cruz Vermelha
Portuguesa ou a Comenda de Mérito Civil de Espanha, importa relembrar às gerações
vindouras a importância que teve na definição da Memória Colectiva e da
Identidade Municipal dos Cascalenses.
No seu inultrapassável “Cascais
Menino”, Pedro Falcão referia-se a Armando Vilar dizendo que “era de gente desta
que nós precisávamos para orientar e defender a Nossa Terra…”
E tinha razão. Cada vez mais à
medida em que os anos vão passando.
A bem de Cascais!