por João Aníbal Henriques
Casada com o Rei Dom João I,
lendário Mestre de Avis e fundador da segunda dinastia Real Portuguesa, a
Rainha Don Filipa de Lencastre, de ascendência inglesa e chegada a Portugal em
1387, foi uma das mais importantes e marcantes figuras da História deste país.
A fama de santidade que a rodeia,
ligad à reconhecida castidade que se associava a uma cultura fora do normal,
ficou aquém do maior dos feitos que em território Nacional deixou como legado.
Os seus filhos, que Pessoa eternizou como a “Ínclita Geração”, foram a sua obra
maior, num País onde as marcas da Idade Média eram ainda nessa época muito
importantes e no qual a educação e o requinte eram matéria sobejamente
desconhecida das elites reinantes.
Os conhecimentos de línguas
estrangeiras que possuía, bem como a capacidade de compreender um Mundo que bem
conhecia, dotaram-na do espírito necessário para empreender a autêntica
revolução modernizadora que deu forma ao novo Portugal. Descendente da Casa
Real dos Plantagenetas, de quem as más-línguas da sua época diziam que herdara
uma dureza na sua relação com os outros, Filipa trazia consigo os traços
fisionómicos da sua família, marcando pela diferença a sua presença no país que
a acolheu. Loira e de olhos azuis, com a pele clara que a falta de Sol
característica da Britânia sempre confere, deixou essas características na face
dos seus filhos e netos, os quais foram sempre marcadamente o resultado do seu
enorme carisma e da sua musculada forma de viver.
Em Sintra, onde viveu muito tempo
e onde literalmente se apaixonou por Portugal, encontra-se hoje o maior dos
monumentos que atestam a sua memória. O Palácio Real da Vila, com as suas
icónicas chaminés altivas, numa sobranceria que se impõe na paisagem e até na
definição daquilo que há-de ser a identidade onírica da vila, foi quase todo
obra sua, uma vez que foram de sua autoria as enormes obras de remodelação que
ali se empreenderam durante o Reinado de Dom João I.
Simbolicamente associada à Rosa
Encarnada, simultaneamente representando as suas origens plantagenetas e o seu
cunho de rainha alquimista que transforma um País em linha com as suas
principais crenças e convicções, Dona Filipa de Lencastre foi sempre, durante
todo o seu casamento, a pedra angular que definiu a conduta do seu marido e,
depois da sua morte, a dos seus filhos durante o processo magistral dos
descobrimentos. A rosa, verdadeiramente flor que significa a pureza virginal e
o esplendor máximo da Obra Divina na Terra e também a verdadeira cruz, carrega
consigo a chave que permite compreender a sua mítica capacidade para recriar
pontes entre a vivência tradicional Portuguesa e a distante e diferente
Inglaterra. A sua cruz, distinta da Cruz Romana que o Catolicismo tradicional
Português até aí consagrava como expoente máximo dos seus laivos de Fé, ganha
vida e movimento ao ser plasmada na rosa que a rainha transporta a peito.
Torna-se vida, fomentando a dinâmica do movimento, trazendo assim uma mensagem
diferente ao povo Português, cujo cerne mais profundo, justamente encoberto
pelo segredo do conhecimento verdadeiro, foi conhecido e compreendido por
Fernando Pessoa que o integrou na sua mais grandiosa obra sobre os feitos do
génio Português.
Na hora da morte, que aconteceu
em Odivelas em plena campanha de conquista de Ceuta pelos seus filhos, acontecimento
que há-de ser o mais marcante de todos os que definem a História Portuguesa por
ter representado o arranque do movimento das descobertas marítimas, diz a lenda
que foi dando conta de forma consciente de todos os passos pelos quais ia
passando. Depois de receber os derradeiros sacramentos, que marcavam o início
do processo de desligamento da vida material, a rainha ainda teve ensejo para
saber dos avanços do exército dos seus filhos no Norte de África, e de ouvir
uma última vez os cânticos sagrados do corpo eclesiástico que sempre a
acompanhava.
Depois do seu passamento foi
enterrada no Mosteiro de Odivelas, de onde foi posteriormente transladada para
o Panteão Real construído por Dom João I no Mosteiro da Batalha.