terça-feira

O Alto de Santa Eufémia em Sintra



por João Aníbal Henriques

Envolvida nas brumas do mito e de uma sacralidade mística que dá forma à própria identidade de Sintra, o Alto de Santa Eufémia, no pico nascente da Serra Sagrada, é um dos mais impressivos recantos daquela montanha ancestral. Os seus seis mil anos de História correm ao sabor de uma vivência sempre muito significante e integram os laivos primordiais que dão forma à essência espiritual de Sintra.


Com uma vivência histórica comprovada desde o 4º milénio A.C., o Alto de Santa Eufémia é tradicionalmente considerado como o berço de Sintra. O povoado neolítico ali existente, aproveitando e adaptando-se ao binómio formado pela riqueza do seu manancial de águas e pela situação estratégica do seu plano elevado em relação à envolvência, foi desde a sua origem um espaço fundamental para a definição daquilo que virá a ser a ocupação humana em toda a região Ocidental da península Ibérica.

De acordo com Vítor Manuel Adrião, investigador e historiador especialista na História de Sintra, as origens do culto a Santa Eufémia perdem-se nas origens do próprio tempo, estando relacionadas de forma directa com os cultos de fertilidade associados com a água, num apelo ancestral à Deusa-Mãe, Eufémia, origem simbólica de toda a ritualística Cristã da Senhora que concebe, ou seja, de Nossa Senhora da Conceição.



Sem grandes registos dos seus primeiros anos de História, até porque nunca se realizaram naquele espaço escavações arqueológicas de largo espectro que permitissem conhecer detalhadamente o que ali se passou ao longo dos muitos milénios de vida que o lugar conheceu, Santa Eufémia de Sintra volta a surgir na historiografia medieval quando o cruzado Osberno descobriu o espaço e a fonte de água que descreve no seu relato sobre a Conquista de Lisboa como sendo rica em propriedades curativas.

Embora não existindo vestígios dessa época, presume-se que a primitiva capela que terá existido no local será desta época, eventualmente ocupando o mesmo lugar onde em momentos anteriores terão existido espaços sagrados com outros cultos e diferentes formas de Fé.

Já no Século XVIII, por ordem do Capitão Francisco Lopes e Azevedo, a aparição no local da própria Santa Eufémia terá sido a razão que determinou a reedificação do templo medieval, readaptando a sua zona de banhos e reforçando o culto que se prolongou até à actualidade.

E sublinhando o carácter místico do espaço, quando o romantismo do Século XIX se impõe, nova intervenção é efectuada no espaço, promovendo a sua identidade estética e transformando-o basicamente naquilo que ele é actualmente. A lápide colocada sobre a porta principal da capela, indicando que as obras foram mandadas fazer anonimamente por um “estrangeiro devoto”, reforça esse secretismo mítico que o investigador Vítor Manuel Adrião atribui como possível obra do Rei Dom Fernando II, marido da Rainha Dona Maria II e membro da linhagem Saxe-Coburgo-Gotha do Norte da Europa.



Foi o Rei Consorte, aliás, quem recuperou cenicamente a Serra da Sintra, reconstruindo o antigo eremitério da Pena e construindo ali o Palácio que hoje é ex-libris essencial de qualquer visita sintrense. A sua reinterpretação do espaço, em linha com a sua formação cultural de base germânica, é a principal responsável pela recuperação de grande parte da sua lendária sacralidade.

A lenda de Santa Eufémia, com todos os traços de uma intemporalidade que é transversal a estas histórias, carrega consigo os arquétipos mais essenciais do pensamento cultural e religioso de Portugal.



Rezam as histórias que a tradição oral sintrense perpectuou, que naquele local terá vivido uma antiga princesa de nome Eufémia. No auge da sua juventude, e no fulgor romântico dos seus verdes anos, a Princesa Eufémia apaixonou-se por um rapaz pobre e humilde que vivia nas redondezas. E seu pai, austero do alto do seu poder, determinou a proibição daqueles amores, gerando junto dos nubentes um profundo desgosto que no caso do rapaz terá degenerado numa doença grave a ponto de colocar em risco a sua própria vida. A princesa, incapaz de lidar com a morte provável do seu amado, lembra-se de o levar à fonte ali existente e de o banhar nas águas benignas que tradicionalmente curavam todos aqueles que as utilizavam. E o resultado não se fez esperar. O rapaz recuperou rápida e totalmente das suas maleitas e a princesa, para que ninguém se esquecesse do acontecido, marcou com o seu pé uma das rochas existentes na fonte, deixando uma marca que ali se mantém até à actualidade.

Classificado como Imóvel de Interesse Público desde 2002, o Alto de Santa Eufémia em Sintra é hoje um importante ponto de peregrinação fazendo parte dos calendários principais da Igreja Católica Romana. A romaria popular que ali acontece durante o mês de Maio, remetendo para as suas origens ritualísticas de índole vegetal, transporta-nos directamente para as linhas Marianas de pensamento, profundamente arreigadas no imaginário colectivo nacional.

sexta-feira

A Igreja de São João de Alporão em Santarém



por João Aníbal Henriques

No final do Século XII, quando Portugal vivia ainda no ímpeto massacrante da sua afirmação nacional, a região do Ribatejo e a Cidade de Santarém foram peça-chave na definição conclusiva das fronteiras e na capacidade de consolidação do País recém-nascido.

No seu esforço para crescer, as zonas da raia assumiram especial importância, não só porque estrategicamente eram pontos vulneráveis a possíveis ataques, como também porque eram zonas de transição que impunham um controle defensivo arreigado e funcionavam como cadinho para o permanente esforço de crescimento territorial.

Santarém, com a sua História antiga e uma tradição assente na capacidade permanente de readaptação política, social e cultural, foi sempre estrategicamente essencial para a formulação dos equilíbrios que permitiram impor Portugal como nação incontestável na Europa de então.

De especial importância, até porque a sua situação junto ao Rio Tejo lhe dava um estatuto de redobrado relevo no contexto dos núcleos urbanos de Portugal, Santarém estruturou-se urbanisticamente a partir das vicissitudes da sua História política, ganhando desde sempre a capacidade de adaptabilidade necessária para cumprir com sucesso esse desiderato.



A Igreja de São João de Alporão é disso exemplo paradigmático.

Com uma História longa e quase milenar, foi-se construindo e reconstruindo ao sabor das vicissitudes diversas que a foram afectando. A sua espacialidade, muito condicionada pela posição estratégica que assume na entrada do perímetro amuralhado da cidade, foi determinante na concepção dos variados modelos defensivos da capital escalabitana, dela dependendo as estruturas militares que existiam à sua volta e que foram desaparecendo ao longo dos séculos.

Modelo híbrido em termos arquitectónicos, porque representa de forma evidente uma posição de charneira entre o românico e o gótico, pertenceu nas suas origens à Ordem de São João do Hospital, na senda das suas funções de reconquista do território Cristão.

O seu pórtico de entrada, assente em arcaria de origem românica, confere-lhe o peso da vetustez da sua longa História. Mas a rosácea, encabeçando a transição para o goticismo iluminado, confere-lhe uma certa singeleza que em contraste nos remete para os desafios mais inquietantes daquele período da História de Portugal.



Havendo provavelmente alguma explicação para este tão vincado carácter duplo do monumento escalabitano, o certo é que o abandono da estrutura original românica e o assumir das orientações góticas na redefinição do seu desenho, dota esta igreja de uma aura quase mística no contexto da arquitectura religiosa de então. Obras inacabadas na sua versão inicial, ou eventualmente um qualquer acidente e/ou cataclismo que tenha obrigado à sua recuperação, o certo é que São João do Alporão se define a partir desta duplicidade estética que afecta de forma indelével a cenografia estética da Cidade de Santarém.

Antes de se transformar no notável Museu de Arqueologia que agora é, a Igreja de São João de Alporão foi adaptada a armazém de mercadorias e posteriormente a teatro, depois da extinção das ordens religiosas ter implicado a sua venda em hasta pública a particulares.

Classificada como Monumento Nacional desde 1910, a Igreja de São João de Alporão nunca perdeu o seu valor simbólico na estruturação religiosa do Ribatejo, tendo ajudado a redefinir a linha de pensamento de índole Cristã quando toda a região recuperou em definitivo a estabilidade política necessária para esse efeito.

quinta-feira

A Igreja de Nossa Senhora da Graça em Santarém



por João Aníbal Henriques

Magnificamente implantada no coração da Cidade de Santarém, a Igreja de Nossa Senhora da Graça, comummente designada como Igreja de Santo Agostinho, é um dos mais importantes e impactantes monumentos religiosos do Ribatejo.

O edifício, originalmente construído no Século XIV, é um dos mais belos exemplares da arquitectura gótica em Portugal. Com as suas três naves, iluminadas de forma sublime por um conjunto de janelas em ogiva, apela de forma profunda à concepção mais iluminada de Deus, aqui entendido na inteira perfeição que os raios de luz projectam no espaço.

Na fachada principal, num misto de harmonia e profundidade cénica, o gótico flamejante relembra a audácia expressa igualmente em Santa Maria da Batalha, num cruzamento que sublinha a arcaria da porta com a enorme rosácea duplamente significante no estabelecimento de uma relação profunda com quem vê o monumento a partir da rua mas, sobretudo, para quem dele frui interiormente.



O espaço onde o edifício foi construído, simbolicamente relevante no contexto da geometria urbana da Cidade de Santarém, pertencia ao primeiro Conde de Ourém, D. João Afonso Telo de Meneses, e a sua mulher D. Guiomar de Vilalobos, que o doaram aos padres mendicantes de Santo Agostinho. Desta maneira, também com um cunho simbólico de relevo, se estabelece a relação entre a fina-flor da aristocracia escalabitana e a deambulante pregação dos frades que aqui se estabeleceram, multiplicando de forma exponencial o apelo à iluminação celestial e estabelecendo uma verdadeira escada de acesso ao céu.

Nesse prisma, é de primordial interesse a interpretação escatológica que deriva do monumento, assente na primeira concepção de um espaço que pretende salvar quem a ele acorre em busca de um laivo de esperança e discernimento…

A Igreja de Nossa Senhora da Graça, nesta vertente de eixo religioso do coração Ribatejano, evoca assim a função mais hermética da Igreja Católica Romana, que assume o apostolado como um desígnio sagrado e, dessa maneira, procura em permanência as estratégias mais céleres para alcançar o sucesso no cumprimento desse desiderato.

Caldeirão alquímico no sentido mais lato da forma que dele emerge, o espaço deste templo organiza-se à semelhança de um portal, orientando o fiel no seu caminho – sempre pessoal e em adoração a Deus – para o céu.



Aproveitada como panteão privativo da família Telo de Meneses, estando ali sepultados em túmulo duplo o casal de fundadores, a Igreja da Graça é ainda espaço de repouso eterno para Pedro Álvares Cabral, o assumido achador do Brasil.

Pela sua forma, pujança e qualidade histórica e artística, mas também pelo profundo simbolismo que carrega, a Igreja de Santa Maria da Graça, em Santarém, é motivo de grande interesse para todos os que se aventurem na árdua tarefa de conhecer e compreender Portugal.

João Brandão - de Midões ao Limoeiro



por João Aníbal Henriques

Nos escolhos do tempo, perdidos nos interstícios que vão marcando as sucessivas eras, escondem-se histórias que certamente foram fadadas pelo destino. Insensíveis aos seus protagonistas e aos anseios que dão forma aqueles que as viveram, parecem ser vida com vida própria desenovelando um fio emaranhado que junta sem cerimónia os sonhos, as necessidades do dia-a-dia e os devaneios dos seus protagonistas.

Foi isso que aconteceu com o mítico João Brandão, o denominado “Terror das Beiras”, que em meados do Século XIX se transformou numa das mais extraordinárias lendas do provinciano Português. Em plena guerra civil, quando irmãos se viraram contra irmãos, João Victor da Silva Brandão nasceu em Midões, actual Concelho de Tábua, em março de 1825. Filho de Manuel Rodrigues Brandão, serralheiro de origens humildes, João Brandão depressa deu mostras de grande apetência pela vida pública e pelos interesses dos seus concidadãos.

Profundamente liberal nas suas convicções, marcadas pelo clima de guerrilha permanente em que nas Beiras se viveram as conturbações da guerra, Brandão precisou de ajuda para abrir os seus horizontes de vida e para almejar a influência política com a qual sempre sonhara. Sonhador, sempre enlevado pela ideia do belo, apaixonou-se por D. Ana Eugénia de Jesus Correia Nobre, filha dilecta de uma das muitas famílias aristocráticas que habitavam naquele recanto idílico de Portugal e portadora de um nível de riqueza que contrastava de forma evidente com os parcos recursos da família Brandão.

O seu padrinho político, D. Roque Ribeiro de Abranches Castello Branco, futuro Visconde de Midões, foi presença e desígnio permanente na sua vida, tendo-lhe legado de forma muito evidente o seu fervoroso apoio à causa liberal e aos tempos novos que eles acreditavam terem chegado a Portugal. Esta figura tutelar, que ajudará o jovem João Brandão a comunicar de forma próxima com os principais inspiradores do poder lisboeta, surge em linha com o enorme apoio que o seu pai, Manuel Brandão, dá à causa liberal durante o tempo da Guerra Civil. Com o regresso do Rei Dom Miguel depois da assinatura da Carta Constitucional, a Família Brandão pega em armas contra o absolutismo e dirige nas beiras um enorme movimento de contestação ao absolutismo professado pelo monarca.

Na espiral de violência em que cresceu, João Brandão pôs e dispôs das suas convicções não olhando a meios para garantir o cumprimento dos seus fins. E, se na liberalidade que se instalou em Portugal, tudo parecia acertar-se para fazer dele um dos maiores do reino, a incerteza dos muitos infortúnios que determinaram a criação de uma fama de bandido da qual não mais se conseguiu livrar.

Alvo de um processo movido contra si por muitos daqueles que com ele tinham trilhado os caminhos da vida, até porque no Portugal de então as voltas e reviravoltas políticas determinaram um regime caótico no qual o terror e o medo dominavam o dia-a-dia, João Brandão acabou preso, julgado e condenado pelo crime terrível do assassínio do Padre Portugal.

Sempre clamando pela sua inocência, Brandão esteve preso no Limoeiro, em Lisboa, de onde foi enviado para Angola, já em 1870, como desterrado, e onde morreu uma década mais tarde.

Figura polémica no seu tempo, João Brandão tornou-se uma figura problemática para a História. Porque, para além do ânimo arreigado que sempre demonstrou, e que o envolveu na aura lendária que o acompanha até hoje, foi também um homem de valores e de princípios que colocou à frente daqueles que são os valores basilares da sociedade de então.

João Brandão, o Bandido das Beiras, é santo para uns e bandido para outros. E hoje, 142 anos depois da sua morte, não é ainda possível clarificar de forma definitiva os reais contornos da sua vida política, nem a importância que ele efectivamente teve na sua área geográfica de influência.


terça-feira

A Ermida de São Miguel em Évora



por João Aníbal Henriques

São Miguel é o forte e sempre leal defensor dos oprimidos. É ele quem determina o desfecho das grandes lutas interiores, derrotando o mal e promovendo a ascenção dos pecadores em direcção ao céu. Guardião primordial do Trono Celeste, São Miguel é aquele que mais se aproxima do esplendor do Pai, mantendo a liderança dos anjos fiéis e garantido a vitória final contra o mal.




Em Évora, junto ao denominado Páteo de São Miguel, existe uma singela capela que esconde um preciso e ímpar segredo. A Ermida de São Miguel, fundada originalmente no Século XII logo depois da tomada da cidade aos Mouros, apresenta actualmente um traço arquitectonicamente pouco interessante, mercê de várias adaptações e transformações sofridas ao longo dos Séculos, mas guarda consigo a História extraordinária da mítica devoção do primeiro Rei Português ao mais forte de todos os Arcanjos.

Diz a lenda que quando Dom Afonso Henriques se preparava para resgatar a cidade de Santarém à mourama, apareceu no céu aos soldados lusos o braço armado de São Miguel e uma asa. Em virtude desse sinal, o monarca teria decidido ali mesmo criar uma Ordem Militar de Cavalaria que honrasse esse testemunho e que motivasse o exército Português a erguer a sua força através da Fé.

A Ordem Militar de São Miguel da ALA (ou da ASA), cresce assim na sombra da formação mítica da nacionalidade, emprestando-lhe uma aura de misticismo e de intervenção celeste que explica muito do fervor que os pequenos grupos de soldados lusitanos detinham quando empreendiam (e quase sempre venciam) as muitas pelejas que foram necessárias para criar o Estado Independente de Portugal.

Depois da Conquista de Évora, em 1165, Dom Afonso Henriques entrega o velho castelo (provavelmente não mais do que uma pequena fortificação precária situada numa das zonas mais altas da cidade) à Ordem Militar de São Bento de Calatrava, conferindo-lhe igualmente o dever de zelar pela reformulação da estrutura defensiva de Évora e, concomitantemente, pela construção de um templo dedicado ao Arcanjo São Miguel.

A construção, originalmente marcada pela singeleza que sempre surge associada a momentos de grande crise e alvoroço político, manteve o estilo chão tradicional daquela zona do Alentejo e foi-se reformatando aos gostos das várias épocas que se sucederam.

A abside manuelina, que a reconstrução seiscentista deixou intacta, é um dos poucos motivos de interesse formal do edifício, que se estende à escultura Joanina do arcanjo padroeiro.

Classificada como Imóvel de Interesse Público desde 1939, a Ermida de São Miguel passa actualmente despercebida ao visitante mais distraído. Não só pela simplicidade com que se impõe no seio da monumentalidade extraordinária da cidade, como também pela sua integração no espaço de animação ali concretizado pela Fundação Eugénio de Almeida.

O segredo que guarda, e que poucos eborenses conhecem é, no entanto, muito maior do que a própria cidade, a região ou mesmo Portugal… porque encerra em si próprio o ensejo maior de um alicerce espiritual que deu forma à devoção e que permitiu consagrar o novo País numa Europa convulsa e avessa a esses feitos.

São Miguel Arcanjo, expoente máximo da devoção, encerra a força e a determinação necessárias para que se cumpra Portugal.É nele que reside a esperança e a Fé que Agostinho e outros congéneres colocaram na recupação do esplendor Nacional.

A Ponte Velha de Cheleiros (Mafra)



por João Aníbal Henriques

O profundo vale de Cheleiros, no actual Concelho de Mafra, surge marcado pelo profundo bucolismo e por um apelo à ruralidade ancestral da região. O rio, calcorreando lentamente os antigos quintais, serviu sempre de manancial do qual depende a sobrevivência daquelas gentes. E lá no meio, usufruindo de uma privilegiada posição de cenário numa paisagem que não deixa ninguém indiferente, a singela ponte velha transmite um carácter de vetustez que potencia os ecos antigos dos passos por ali dados pelos nossos avós.



Ninguém conhece com exactidão as origens da Ponte Velha de Cheleiros. A tradição popular, provavelmente assente nas muitas histórias que proliferam plenas de encanto, apontam para uma origem romana deste monumento.

E provavelmente terão razão. Até porque, no que à envolvente diz respeito, toda a região está repleta de vestígios da presença romana. E, nesse contexto, natural seria que a rede viária fosse essencial para facilitar o trânsito entre as várias comunidades e, dessa maneira, para sustentar o fluxo comercial que era determinante para o sucesso nesses tempos.



A ligação entre Mafra e Sintra, ambos pólos de reconhecida influência na estrutura económica romana, determinam a necessidade imperiosa de se transpor o Vale de Cheleiros e a ribeira que o divide a meio. A ponte, com a sua estrutura alicerçada em grandes silhares de excelente emparelhamento, aponta para essa origem construtiva, apesar de muito do seu aspecto actual resultar de sucessivas renovações e adaptações que lhe foram impostas ao longo dos séculos.

Assim, o arco de volta perfeita com provável origem romana, terá sido complementado já durante a Idade Média, pela estrutura actual, na qual, porventura devido à evolução técnica no uso da pedra, foi adossado um tabuleiro em cavalete, com dupla rampa ascendente, sinais evidentes de um trabalho marcadamente medieval.

A reforçar esta teoria, que linearmente nos remete para o dealbar da própria nacionalidade, está o facto de Cheleiros ter recebido Carta Foral emitida por Dom Sancho I em 1195. Esse facto, comprovativo da importância ancestral do povoado, foi certamente determinante para o reforço monumental da localidade, facto que fica plasmado na magnífica Igreja Matriz, provavelmente contemporânea destes factos e na existência de sinais relevantes da existência de uma antiga estrutura amuralhada que defendia as comunidades de ataques inimigos que por ali pudessem passar.



Mais tarde, já no Século XVI, o Rei Dom Manuel confirma o Foral de Cheleiros, reforçando os vínculos criados no Século XII. E já no Século XVIII, quando em Mafra se constrói o magnífico palácio-convento, Cheleiros terá reforçado a sua importância estratégica por ser canal essencial de passagem para essa nova centralidade.

Classificada como imóvel de interesse público desde 1982, altura em que foi novamente intervencionada e recuperada, a Ponte Velha de Cheleiros é hoje um símbolo incontornável da região, assumindo-se como testemunho histórico de primeira importância para percebermos como se processaram as dinâmicas políticas e sociais nesta região durante os inícios da medievalidade.

É uma visita obrigatória para quem quer conhecer Portugal.

domingo

Mandato 2017-2021 na Câmara Municipal de Cascais


Terminou hoje o mandato autárquico de 2017-2021. Na ponderação do que aconteceu ao longo destes anos, e da forma como Cascais viveu o mandato, aqui ficam as minhas palavras finais, fechando um ciclo de entrega plena aos interesses de Cascais e dos Cascalenses... 


sexta-feira

Villa Romana de Rio Maior – uma pérola com 2000 anos no coração do Ribatejo


por João Aníbal Henriques

Ainda não se conhecem os meandros da história que está por detrás da Villa Romana de Rio Maior. Mas há dois mil anos atrás, este era certamente um dos mais importantes núcleos da romanidade ibérica. Os vestígios encontrados até agora, e o excepcional projecto de musealização desenvolvido pela Câmara Municipal de Rio Maior, trazem essa importância para o quotidiano actual, porque este sítio arqueológico, ainda só parcialmente escavado e estudado é já de si uma âncora extraordinária para o turismo nacional e merece uma visita demorada para o usufruto pleno de toda a riqueza do lugar.




Quando Francisco Pereira de Sousa, ainda no Século XIX, anunciou a descoberta de um conjunto singelo de vestígios romanos na então vila de Rio Maior, estava muito longe de imaginar a importância e o impacto que aquele sítio arqueológico haveria de desvendar ao longo dos séculos seguintes.

De facto, e apesar de somente na década de 80 do século passado a Câmara Municipal ter dado início ao processo de escavação arqueológica e de estudo mais aprofundado do espaço, possivelmente motivada pela proximidade ao cemitério e aos vestígios que nesse espaço estavam a ser profusamente encontrados, o certo é que a Villa Romana de Rio Maior rapidamente desvendou a sua importância enquanto repositório maior de informação sobre a vida no actual Ribatejo durante o período da romanização.




Com uma datação provável (embora ainda provisória) dos primeiros séculos do primeiro milénio d.C., a Villa Romana de Rio Maior faria parte de uma estrutura agrícola de grandes dimensões que abarcaria um perímetro que ultrapassa largamente a parte agora musealizada.

Os vestígios aqui encontrados, dos quais os mais marcantes é a conhecida e emblemática Ninfa, apontam para a existência de um espaço cerimonial e simbolicamente relacionado com os cultos aquíferos e, por extensão, para a ritualística maior da fertilidade. Para aí apontam os muitos vestígios de mosaicos magníficos que atapetavam todo o espaço senhorial, e que estão bem visíveis através da estrutura de visitação agora inaugurada, e sobretudo a extensão cumulativa de significados que estende a simbólica deste espaço até à cristianização do lugar.

A já mencionada proximidade do cemitério municipal é, aliás, tradutora maior desta realidade, uma vez que mantém incólume o carácter sagrado do espaço através dos milénios que decorreram desde a sua construção.



Aspecto essencial na abordagem ao espaço é a presença já dentro dos muros do cemitério dos restos da torre que terá pertencido à primitiva Igreja Matriz de Rio Maior. Com dedicação a Nossa Senhora da Conceição, a divindade de cariz feminino que dá continuidade aos cultos à fertilidade no seio do panteão romano, este templo seria provavelmente o centro do espaço sagrado da antiga exploração agrícola do Baixo-Império dado não ter sido encontrado até agora o espaço consagrado que certamente teria servido os moradores do local. Destruída pelo terramoto de 1755, a antiga igreja Paleocristã seria datada do Século XII, dado existirem referências documentais a ela no inventário dos bens da Colegiada de Santa Maria da Alcáçova de Santarém.

A continuidade crono-espacial desta ritualística, em linha com o carácter fecundo das crenças tradicionais e dos cultos desenvolvidos nesta região, denota assim a ligação perene das gentes que ali habitaram à terra em que viveram. Interdependentes, até porque a fertilidade do espaço terá sido a razão maior que explica a prosperidade e a riqueza do local, a produção agrícola que envolveria o palácio senhorial agora musealizado seria de tal forma marcante que se estenderia em termos de impacto às principais cidades romanas existentes na periferia.



Com a sua localização estratégica num espaço central que é quase equidistante a Leiria, Santarém e Lisboa, Rio Maior seria fulcro abastecedor de todas estas cidades, concentrando ali as estruturas que permitiam o movimento e a prosperidade comercial de toda a região.

A qualidade dos materiais arqueológicos encontrados, todos eles denotando e comprovando este pressuposto, reforça a convicção de que ao longo dos últimos dois mil anos, Rio Maior foi sempre pólo aglutinador de vontade e, por isso, centro nevrálgico de desenvolvimento em Portugal.

Com a recente intervenção no local, e com a criação do edifício que permite uma visitação e o usufruto de todo o espólio ali encontrado, a Câmara Municipal de Rio Maior literalmente devolve à população uma das maiores riquezas da cidade, ajudando cada munícipe a conhecer e compreender melhor as suas origens e a identidade da sua terra.



 Classificada como Sítio de Interesse Público através da Portaria nº 22 de 2014 (publicada no Diário da República nº 7 de 10 de Janeiro desse mesmo ano) esta Villa Romana é, em termos turísticos, um novo museu que transforma também Rio Maior num espaço de visita obrigatória para quem viaja pela região, oferecendo com a pujança e a riqueza deste seu novo espaço motivos acrescidos de interesse para quem quiser vir conhecer outros monumentos e pontos de interesse da cidade e do território municipal.

Tradicional e conservador, o povo de Rio Maior foi sempre capaz de crescer e de se adaptar às mudanças impostas pela evolução e pelo progresso mantendo bem firmes as pontes com o passado que determina as suas origens e os alicerces da sua identidade. Com a redescoberta deste Villa Romana, fica definitivamente comprovada a existência de uma linha muito consistente que em termos culturais estabelece uma relação de significância profunda entre o presente e o passo.



Até porque só assim, com os pés bem assentes na terra e com a consciência plena das nossas origens, podemos aspirar a um futuro próspero e empreendedor, inabalável pelas vicissitudes que o destino nos imporá.

Está de parabéns a Câmara Municipal de Rio Maior e todas as suas gentes. 

domingo

Câmara Municipal de Cascais devolve o Parque Natural aos Cascalenses – Novo Trilho da Ribeira das Vinhas



A Ribeira das Vinhas, com uma extensão de cerca de 9 kms entre a foz e a nascente, é uma das vias históricas mais importantes de Cascais. Durante muitos séculos, era por ali que chegavam à vila os produtos hortícolas produzidos no sopé da Serra de Sintra, bem como o leite que abastecia a população local. Com a recuperação do antigo trilho saloio, a Câmara Municipal de Cascais cumpre o desígnio ancestral de fazer chegar o Parque Natural de Sintra-Cascais à vila, devolvendo aos Cascalenses a possibilidade de viverem de forma plena e integral a excelência deste seu território…

por João Aníbal Henriques

A edilidade Cascalense chama-lhe a “revolução verde”, dando mote a um vasto conjunto de intervenções de requalificação ambiental que alteram radicalmente a paisagem municipal. Os parques urbanos, cruzados com a renaturalização de muitos cantos e recantos que acumulavam lixo e entulho há muitas décadas, juntam-se a um conjunto de projectos estruturantes desenvolvidos ao longo das principais ribeiras do concelho que, atravessando longitudinalmente o espaço municipal, minimizam os efeitos da diferenciação que existe entre o troço situado a Norte da A5 e aquele que acompanha a linha de costa.



No último fim-de-semana, cumprindo o programa de iniciativas previstas para o actual mandato autárquico, foi inaugurada a segunda fase do trilho saloio da Ribeiras das Vinhas. Com início simbolicamente colocado no pontão situado na Praia dos Pescadores, no coração da Vila de Cascais, o trilho prolonga-se ao longo de cerca de 8 kms até à Quinta do Pisão, já em plano parque natural, num circuito deslumbrante em termos paisagísticos mas pensado e delineado de forma a assegurar conforto e segurança a todos os que por ali desejem passar.

Com esta iniciativa, que permite calcorrear a pé, de bicicleta ou a cavalo uma das mais bonitas paisagens de Cascais, a Câmara Municipal recupera um dos caminhos mais antigos de Cascais.



De facto, desde tempos imemoriais que o trilho da Ribeira das Vinhas servia de via principal de acesso à vila. Era por ali, acompanhando o curso da água, que chegavam a Cascais os principais mantimentos hortícolas produzidos na zona saloia ao concelho. E era também pelo mesmo caminho que as lavadeiras carregavam a roupa suja dos cascalenses que era lavada e devolvida aos seus legítimos proprietários utilizando burros que faziam o trajecto sempre carregados.

Ao longo desta via, marcando a paisagem com o picotado branco da pedra calcária, moinhos e azenhas multiplicavam-se, utilizando sobretudo a força da água para a sua actividade alquímica de transmutar os cereais no pão que igualmente alimentava Cascais.



No que à coesão territorial diz respeito, o novo trilho agora inaugurado prova que é possível ultrapassar os muitos obstáculos artificiais que a urbanidade desregrada impôs a Cascais, gerando um desequilíbrio acentuado entre as várias comunidades que habitam neste espaço. O canal da A5, bem como a via-rápida designada como Terceira Circular, que até agora dividiam o território municipal em duas partes, são literalmente apagadas deste trajecto, oferecendo aos Cascalenses uma ponte natural que lhes abre as portas directamente para o melhor da excelência ambiental existente no espaço municipal.

A recuperação deste caminho, que altera o paradigma urbanístico em vigora há muitos anos e que coloca o parque natural dentro do casco urbano da vila, religa Cascais às suas origens, fomentando a criação de laços perenes entre a sua população e o território e consolidando a Identidade Local. Com uma força quase religiosa, porque recria laços de união que recuperam a génese do sentir municipal, este projecto é assumidamente o mais importante contributo para a qualidade de vida dos Cascalenses desenvolvido nos últimos anos.



Há um antes e um depois desta inauguração e Cascais revolucionou a sua paisagem com este excelente projecto. E os parabéns, na pessoa do Presidente da Câmara Municipal de Cascais, concentram-se igualmente na Vereadora Joana Pinto Balsemão que efectivamente lidera uma obra grandiosa que vai transformar radicalmente o futuro de muitas das próximas gerações de Cascalenses.








segunda-feira

Fortaleza de Nossa Senhora da Luz em Cascais

A Fortaleza de Nossa Senhora da Luz e a Torre de Santo António, em Cascais, reabriram ao público no passado dia 13 de Junho para visitação. O monumento, porventura o mais antigo e importante marco da História de Cascais, está na posse do Estado central encontrando-se fechado desde meados da década de 80 do século passado e num estado galopante de degradação. Com esta abertura simbólica ao público, a Câmara Municipal de Cascais permitiu que um grupo de Cascalenses pudesse conhecer e visitar o espaço, através de uma animação histórica protagonizada pela arqueóloga Vera Cardoso. 

Anastasia Raykova apresenta a curta-metragem ELA em antestreia em Cascais

A realizadora russa Anastasia Raykova apresentou em Cascais a sua mais recente curta-metragem. O filme ELA, com Paulo Rocha e Anastasia Everall como protagonistas, foi gravado durante o Verão de 2020 na paisagem magnífica do Guincho. Nesta antestreia a realizadora sublinhou a excelência de Cascais enquanto cenário cinematográfico, agradecendo à Câmara Municipal o apoio concedido e que tornou possível a gravação do filme. 

Memórias do Turismo em Cascais com António Aguiar

O turismo é a vocação primordial de Cascais. Desde 1870, quando a Corte escolheu Cascais para o seu veraneio, que a vila se tem organizado em torno do imenso desafio que representa a criação daquele que é o mais excelente destino turístico do Sul da Europa. Nesta "Conversa de Cascais", tendo a Fortaleza de Nossa Senhora da Luz como cenário, João Aníbal Henriques conversa com António Pinto Coelho d'Aguiar, relembrando episódio impactantes passados nos principais hotéis da região durante o período difícil da revolução de 1974...

Joaquim Baraona - A Coragem e a Determinação que Colocaram Cascais na Vanguarda da Tecnologia


No início de 1974, quando a revolução de Abril era ainda uma mera miragem, Cascais atravessava uma das maiores e mais transversais crises de sempre.

Nessa altura, a mais premente necessidade dos Cascalenses era um novo hospital e, não havendo vontade nem meios por parte do poder central para o construir, um jovem e destemido Provedor da Santa Casa da Misericórdia ousou contrariar tudo e todos e construir o hospital que considerava condigno para os Cascalenses. Chamava-se Joaquim Baraona e com este seu projecto colocou Cascais na vanguarda da tecnologia médica daquela época.

O velho Hospital de Cascais, construído em 1941 com um subsídio do Fundo do Desemprego ao qual se juntou uma parte importante do legado dos Condes de Castro Guimarães e um terreno doado pelo benemérito Marques Leal Pancada, estava completamente obsoleto. Os 29000 habitantes do Cascais de 1940 tinham aumentado para cerca de 92700 em 1970 e o antigo hospital, equipado com tecnologia do período da guerra, já não conseguia dar uma resposta cabal à população Cascalense. Em Abril de 1971, numa tentativa ousada para tentar resolver os problemas com os quais a instituição se debatia, é eleita uma nova direcção na Misericórdia.

O novo provedor, o ainda muito jovem empresário Joaquim Baraona, assume o desafio de resolver o problema, perante o cepticismo da mais tradicional sociedade Cascalense. Depois de tomar posse, com uma firmeza a que os Cascalenses não estavam habituados, Joaquim Baraona dedica-se por inteiro a sanar os problemas financeiros que impediam o trabalho daquela importante instituição e, antes do final desse ano, faz um anúncio bombástico que deixa Cascais boaquiaberto.



Numa entrevista concedida ao jornal “A Nossa Terra” o provedor promete iniciar de imediato as obras de remodelação do velho hospital e dotá-lo da mais moderna tecnologia existente nessa época. Considerando que o que existia não era compatível com a vocação turística que Cascais vivia, Baraona menciona os avanços técnicos e científicos que a medicina havia alcançado e refere como exemplo uma máquina denominada “auto-analizer”, existente em vários hospitais Norte-Americanos que era considerada um dos mais revolucionários equipamentos do seu tempo. E, perante a estupefacção do repórter que o entrevistava, desde logo promete que o Hospital de Cascais seria o primeiro a tê-lo em Portugal! E assim o fez! Procedendo a angariações de fundos e à captação de investimentos, o jovem provedor consegue rapidamente obter os meios para proceder à reconstrução do hospital, para o equipar com as mais modernas tecnologias e com o dito “auto-analizer” que de imediato adquiriu nos Estados Unidos.



Mas levantava-se um problema prático que o previdente provedor não tinha conseguido prever: o hospital era demasiadamente pequeno e não existia espaço físico onde se pudesse colocar este equipamento! E Joaquim Baraona uma vez mais não desistiu.

Procurando em redor do hospital espaços vazios onde fosse possível construir as instalações para montar o tão desejado “auto-analizer” encontra ali mesmo ao lado, num terreno que pertencia ao Estado e que se encontrava ocupado por um edifício onde tinha funcionado há algum tempo um posto de apoio à tuberculose, a tão desejada solução para o seu problema. Mas surpreendentemente foi muito mais fácil encontrar os meios para adquirir o equipamento do que obter as autorizações governamentais para o instalar no edifício devoluto já existente… Mas o provedor não desistiu. Com o apoio unânime da Mesa Administrativa da Misericórdia, o jovem provedor dirigiu-se ao prédio devoluto, arrombou a porta oficialmente selada e iniciou de imediato a instalação do equipamento.



Como seria de esperar, as vozes críticas de sempre logo se levantaram e as ameaças surgiram imediatamente.

Mas Baraona sabia que o espaço continuava legitimamente no domínio público e assim concretizou sem mais atrasos o seu projecto que contribuiu de forma imediata para uma melhoria significativa dos serviços médicos do hospital e que foi responsável pela vida de milhares de Cascalenses. O novo hospital foi inaugurado em Abril de 1974, dias antes da revolução, com a presença do Presidente da República e das mais altas individualidades do Estado e da sociedade desta terra. Noutra terra qualquer é mais do que certo que ainda hoje teríamos o “auto-analizer” por estrear e guardado numa arrecadação. Mas a coragem e a determinação de Joaquim Baraona foi essencial na defesa dos interesses legítimos de Cascais e dos Cascalenses, resultando numa benfeitoria que funcionou até 2010.

Porque a coragem faz parte dos genes dos verdadeiros Cascalenses...



quinta-feira

150 Anos da Corte em Cascais - E se o Rei Dom Luís não tivesse decidido veranear em Cascais?...




por João Aníbal Henriques

Em 1870 Cascais mudou radicalmente. O charme e o cosmopolitismo que hoje nos caracterizam nasceram da decisão do Rei Dom Luís I de vir veranear para Cascais e do esforço efectuado pela Corte para o seguir nesta sua inusitada escolha de vir passar o Verão nesta pequena vilória de pescadores onde aparentemente não existia nada de especial. 

O Cascais dos pescadores, velho, feio e muito sujo, ainda não tinha recuperado da devastação provocada pelo Terramoto de 1755 e as ruínas abundavam, emprestando à povoação um ar de degradação que contrastava com o entusiasmo do Rei que se encantou com o seu mar, a sua paisagem e as suas gentes. 

O Rei Dom Luís foi uma figura insigne no Portugal do seu tempo. Herdando do Pai, o Rei Dom Fernando a sensibilidade artística e cultural dos Saxe-Coburgo-Gotha, era um dos mais cultos líderes da Europa de então, pintando, compondo e tocando música e dedicando atenção especial à leitura e à tradução das obras literárias de então. O Rei vivia fascinado pelos mares e pela imensidão azul da baía de Cascais. A ponto de pedir para morrer a olhar para ela. 




Com a decisão do Rei Dom Luís Cascais transformou-se na Vila da Corte e num lugar especial. Dizia-se na Corte que Cascais era a terra em que o povo era mais nobre e a nobreza mais popular… E era comum ver o Rei, a Rainha ou os Príncipes Reais a passear descontraidamente pela vila numa proximidade quase familiar com os Cascalenses de então. 

Cascais desenvolveu-se muitíssimo a partir deste momento e tornou-se o cerne da vida política, económica e social de Portugal. O Clube da Parada, o Teatro Gil Vicente ou o Casino da Praia eram os locais onde todos queriam ir para serem vistos e para verem o desfile de celebridades que os enchiam permanentemente.
 
Em 2020 comemoram-se 150 anos desde esta decisão histórica do Rei Dom Luís I. E mesmo tanto tempo depois, Cascais preservou o charme e a aura quase mágica de ser um lugar extraordinário e muito especial.
 
Numa homenagem sentida ao monarca que teve o ensejo e a coragem para criar o Cascais onde temos a sorte de poder viver no momento actual, importa subverter a História e deixar no ar a pergunta que se impõe: E se o Rei Dom Luís I não tivesse decidido vir veranear para Cascais?...






quarta-feira

Villa Romana de Freiria: Devolver aos Cascalenses a Memória Municipal

Devolver a Cascais uma herança com 2000 anos. Sabendo que a vocação turística de Cascais se consolida no devir quotidiano dos Cascalenses do Século XXI estamos a recuperar o mosaico romano da Domus Senhorial de Titus Curiatius Rufinus na Villa Romana de Freiria, em São Domingos de Rana. Com um impacto extraordinária no reforço da qualidade de Cascais enquanto destino turístico de excelência na Europa, Freiria é agora mais oportunidade para conhecer e reconhecer as origens e a Identidade de Cascais.


Nossa Senhora da Conceição e as Memórias do Convento da Piedade em Cascais

No dia de Nossa Senhora da Conceição, Padroeira e Rainha de Portugal e invocação ancestral de Cascais, recuperamos a memória do Convento da Piedade, escola de filosofia e de pensamento, onde nasceu a Identidade Cascalense. Actual Centro Cultural de Cascais, o antigo convento foi cadinho de cultura, é hoje o coração cultural da nossa terra e trabalha diariamente para a consolidação no futuro da Identidade Municipal. Porque a cultura em Cascais conjuga-se no passado, no presente e no futuro.


Fez-se Luz em Cascais!

Se há coisa difícil de perceber nos dias de hoje é a existência de um Mundo sem electricidade… De facto, dos telefones às televisões, passando pelos electrodomésticos e pela própria iluminação dos espaços públicos, a electricidade está hoje omnipresente em todos os momentos do quotidiano sendo parte imprescindível do nosso crescimento civilizacional. Mas nem sempre foi assim e, até época não muito remota, não existia electricidade em Portugal! Mais uma vez, por ser (como sempre foi) o centro nevrálgico de Portugal, Cascais teve papel decisivo na implementação deste extraordinário avanço tecnológico, tendo sido no Passeio Dona Maria Pia, mesmo junto à Cidadela, que se efectuou a primeira tentativa de iluminação pública em Portugal! Sublinhamos a palavra “tentativa” porque, pensada como surpresa maior para a comemoração do aniversário natalício de SAR o Príncipe herdeiro Dom Carlos, a experiência contou com alguns percalços caricatos que muito devem ter aborrecido Sua Majestade o Rei Dom Luís I que planeara minuciosamente a iniciativa e que contou com o apoio das principais forças da sociedade civil local… O gerador adquirido para alimentar as lâmpadas colocadas na via pública avariou e foi necessário o empréstimo à última hora de equipamento de substituição por um navio Inglês que estava fundeado ao largo de Cascais… Mas, à hora marcada e para gáudio e felicidade de Portugal, lá se acenderam as lâmpadas dos candeeiros e o Passeio Maria Pia, ali mesmo no coração de Cascais, transformou-se no primeiro lugar de Portugal a ser iluminado electricamente! Cascais, sempre na vanguarda da tecnologia e do desenvolvimento, cumpre uma vez mais o seu papel de guarda avançada de Lisboa, transformando a noite escura de 15 de Agosto de 1878, num cenário onírico de iluminação e esplendor que a partir dali se estendeu à capital e ao resto de Portugal. Fez-se luz em Cascais e, a partir desta Nossa Terra, iluminou-se Portugal!

segunda-feira

Quando a História de Espanha acontece em Cascais

No dia 20 de Julho de 1936 Cascais foi palco de um acontecimento dramático que mudou de forma drástica e permanente os destinos históricos da Espanha actual. Na localidade da Areia, junto ao areal do Guincho, uma avioneta despenhou-se abruptamente no solo depois de ter tentado descolar de um aeródromo improvisado na pista equestre da Quinta da Marinha. A bordo, depois de ter sido escolhido pelos seus pares para liderar a revolução instituída em Espanha contra a república vigente, seguia o General José Sanjurjo Sacanell, que regressava à sua pátria para dar corpo à mais dura das ditaduras jamais vividas em terras espanholas. O militar, que viveu exilado durante longos períodos no Estoril, organizou a partir desta terra os alicerces do novo regime político que pretendia fazer nascer, encetando em Cascais todos os contactos diplomáticos que lhe permitiram a angariação dos apoios necessário à boa concretização deste seu megalómano projecto. Com o acidente de 1936 em que perdeu a vida, abriu-se uma janela de oportunidade para muitos políticos emergentes nesta Espanha que estranhamente se debatia com adversidades diversas. E o seu lugar enquanto caudilho escolhido para liderar o país neste momento, foi ocupado até 1975 pelo General Francisco Franco, que recriou de acordo com o seu perfil um país completamente diferente marcado antes da sua morte por uma transição pacífica para um novo regime monárquico constitucional que coroa Juan Carlos e permite a institucionalização da democracia que os espanhóis hoje podem viver. Dir-se-á que a História não se faz com suposições, mas se não fosse o acidente ocorrido na Areia em 1936, o destino da Espanha teria sido certamente muito diferente. E Cascais, uma vez mais, acaba por ser eixo-axial de importância fundamental na roda do destino e dos acontecimentos.

quarta-feira

Caminhos da Liberdade: As Origens do Partido Comunista Português em Cascais...

Cascais surge ao público associada quase sempre a uma ideia de conservadorismo que não corresponde à realidade. Em vários sectores de actividade, desde a ciência, à tecnologia, à pintura, escultura e literatura, passando pelo empreendedorismo e até pela política, Cascais foi sempre terra de vanguarda e contribuiu de forma decisiva para o nascimento e consolidação de ideias inovadoras que ajudaram a transformar e a fazer evoluir Portugal e o próprio Mundo. Um destes exemplos prende-se com o surpreendente rol de “Casas Clandestinas” existente neste concelho. De facto, desde a sua fundação em 1921, que o Partido Comunista Português utiliza o respeito pela liberdade que aqui encontra para dar corpo às suas iniciativas e projectos.  Em Novembro de 1943, contra quase tudo o que é expectável, realiza-se no Monte Estoril o primeiro congresso do partido depois de ter sido remetido à clandestinidade, no qual o líder Álvaro Cunhal, em plena II Guerra Mundial, vem defender a unidade da Nação Portuguesa na luta pelo pão, pela liberdade e pela independência. E alguns anos depois, já em 1957, é em Cascais que são aprovados os primeiros estatutos do partido, alicerçando um programa de princípios que norteará a actividade comunista durante as épocas conturbadas que depressa chegarão. Decorrido na Casa dos Cedros, em São João do Estoril, este V Congresso do PCP é marcado pela grande discussão sobre o problema colonial, tendo sido a primeira vez que os congressistas Portugueses recebem as saudações oficiais por parte dos restantes partidos comunistas do Mundo de então. Depois, já em 3 de Janeiro de 1960, foi na Vivenda Montalvinho, em São João do Estoril, que o histórico líder comunista se refugiou depois do grande sucesso da sua fuga da prisão em Peniche, mostrando de forma cabal ser este o destino de excepção que melhor lhe garantiria a segurança neste momento tão importante, inquietante e marcante da sua vida pessoal e da vida do próprio partido nascente. Em suma, num registo historicamente longo de respeito pelo outro e pelo pensamento de vanguarda, Cascais foi sempre um verdadeiro bastião de liberdade, tendo a capacidade de acolher e promover formas alternativas e vanguardistas de pensamento. Porque este é o ADN Cascalense. 

sexta-feira

Avis e Cascais

Em 1385 a independência de Portugal foi salva por um homem. Chamava-se João das Regras. Criou uma nova dinastia - de Avis - e o Mundo novo em que agora vivemos. Foi devido a ele que a Europa se ligou à Ásia, à África, à América e à Oceania. Como prémio de vida o Rei Dom João I ofereceu-lhe o presente mais extraordinário do Portugal de então: o Senhorio de Cascais!




segunda-feira

A Filiação Hermética da Alquimia Cascalense


A primeira escola de filosofia de Portugal funcionou no antigo Convento de Nossa Senhora da Piedade em Cascais. O edifício, onde actualmente está instalado o Centro Cultural, foi durante muitos séculos cadinho primordial do pensamento e da cultura em Portugal, ali tendo sido produzidas muitas das mais importantes e significantes obras de filosofia, de História e das ciências dos séculos XVI,  XVII e XVIII. Destruído quase por completo durante o grande terramoto de 1755, o edifício foi transformado em Casa de Veraneio pelo Visconde da Gandarinha e guardou na poeira dos novos tempos um dos mais extraordinários segredos de Cascais… Transportado para o Jardim dos Condes de Castro Guimarães, o painel de azulejos do antigo convento passa despercebido a muita gente. Mas naquele recanto encantado, à vista de todos e a comprovar que muitas vezes é no mais óbvio que se encontram as lições mais importantes, fica a prova da filiação hermética de Cascais e sublinha o significado profundo da simbologia alquímica desenvolvida no antigo convento. A “Procissão Triunfal”, misto de teologia e alquimia, retrata a Virgem Maria que segue em Glória num carro puxado a cavalo que esmaga com as suas rodas o dragão telúrico das forças mortais e terrenas. À frente, ostentando de forma vigorosa o Sol e a Luz, numa alusão simbólica à totalidade, os Arcanjos São Miguel e São Gabriel abrem o caminho para os grandes pensadores de todos os tempos: A “Ciência de Maria”, vulgo alquimia, consagra-se na Grande Obra de Santo António de Lisboa, Santa Isabel de Portugal, Santo Alberto Magno, Santa Isabel da Hungria, Arnaldo de Vilanova, etc. fechando o cenário com os anjos que carregam cada qual uma das alfaias sagradas do Hermetismo Carmelitano. Numa época de absurdo absoluto, em que se põem em causa os valores mais essenciais do humanismo português, importa olhar com atenção para este segredo, pois é pegada fundamental na caminhada em direcção ao entendimento iluminado da Sabedoria Divina que se oculta sob esta capa protectora dos ataques inesperados do Mundo Profano. É Cascais, uma vez mais, a tomar a dianteira desta procissão monumental!...

sexta-feira

Conversas de Cascais: a Europa Nasceu Aqui

Pedro Gomes Sanches e João Aníbal Henriques numa "Conversa de Cascais" no âmbito do programa de comemorações do 656º Aniversário da Vila de Cascais:

Cascais: um caminho para Portugal e para a Europa



por Pedro Gomes Sanches e João Aníbal Henriques

in "O Observador" 12 de Junho de 2020

Cascais é a mais sadia terra que se sabe em Portugal. Assim o disse Frei Nicolau de Oliveira, no seu "Livro das Grandezas de Lisboa" no Século XVI, e o confirmámos nós, desde o início dos anos 90 do século passado quando, num velho Mini Moke amarelo, calcorreamos juntos cada canto e recanto desta terra que agora festeja o seu 656.º aniversário.

Pode parecer presunção que dois Cascalenses de gema, criados com os aromas, as cores e as memórias muito vivas de uma infância em Cascais, venham agora a público dizer que a Europa também nasceu em Cascais. Mas não é. Porque a História, que nasce pujante nas pedras velhas da Villa Romana dos Casais Velhos , nos comprova que a púrpura ali fabricada alquimicamente teve papel decisivo na génese Católica, Apostólica e Romana da Europa em que vivemos.

Portugal, de uma forma geral, e Cascais, em particular, estão muito longe do estereótipo imposto à Europa pela centralidade franco-germânica. Não são, como muitos lá fora por desdém teimam em dizer, e muitos cá dentro por incúria teimam em confirmar, as periferias pobres e desinteressantes que, situadas no Finisterra dos Romanos, nada têm a acrescentar à História.

Pelo contrário. Portugal é a cara de uma magnífica Europa, plena de futuro e capaz de representar e acolher todos. Ou não tivesse já Pessoa, antes de qualquer União Europeia, afirmado que o rosto com que a Europa fitava o Ocidente, futuro do passado, era Portugal. A sua localização atlântica, vocação turística centenária e cosmopolitismo, transformam este país numa janela de oportunidades para uma Europa que respeite as diferenças e seja capaz de rentabilizar o seu conhecimento e a sua experiência para estabelecer alianças com outros povos. O Portugal que herdámos é a ponte de ligação directa a África, à América do Sul e à Ásia, tendo a potencialidade e também o dever de contribuir de forma pragmática para encontrar respostas que permitam inverter a crise geral em que parecemos mergulhados, e nos libertar do atavismo a que parecemos condenados.

E se há exemplo de que tal é possível, ele está precisamente aqui em Cascais. Na comemoração de mais um aniversário, ouvindo ao longe os passos abafados dos pescadores nossos avós que receberam o seu foral em 1364, temos um Cascais reforçado por um polo de ensino superior que reúne o melhor que existe no Mundo nas áreas da ciência, da economia e da gestão. Cascais hoje exporta saber, conjugando a experiência de muitos séculos e a sabedoria avoenga com a ambição futurista dos nossos filhos. E fá-lo com um património histórico e arqueológico recuperado para servir de atractivo à visita de todos aqueles que desejarem aprender e deslumbrar-se com as experiências extraordinárias que estamos preparados para lhes proporcionar, bem como alimentando a memória dos que cá vivem lembrando-os quem são e donde vieram.

A já recuperada Villa Romana de Freiria, em São Domingos de Rana; o antigo Convento de Nossa Senhora da Piedade, actual Centro Cultural de Cascais; a Casa Sommer, actual arquivo histórico; as Grutas Neolíticas de Alapraia, cujo núcleo de interpretação será em breve devolvido aos Cascalenses; as Grutas Pré-Históricas do Poço Velho, em pleno coração da vila; ou a fábrica de púrpura dos Casais Velhos, junto ao Guincho; são apenas alguns exemplos de que estamos preparados para o futuro sem esquecer o passado.

Mas Cascais não é só património edificado. Num tempo, ora vagamente esquecido por força da crise pandémica, de emergência climática, Cascais está também na linha da frente na preservação do seu património ambiental e da sua biodiversidade. Da Duna da Cresmina à praia das Avencas, passando pela Ponta do Sal, Quinta do Pisão ou Ribeira das Vinhas; da aposta na mobilidade light ao envolvimento empenhado e estratégico na mobilidade metropolitana de Lisboa; são apenas alguns exemplos de que sabemos inovar sem deixar de preservar.

Mas que Europa é esta de que falamos e que país é este que projectamos a partir de Cascais?

Esta é uma Europa de Nações, assumindo a diferença de cada um como contributo inestimável para um todo mais forte. Uma Europa baseada no respeito pelo outro que, num Mundo em permanente convulsão, conhece as suas origens e tem a capacidade para se afirmar com contributos decisivos que nenhum outro pode promover. Um Europa, com Portugal na linha da frente, com a marca de um pluralismo onde todos cabem. E uma Europa livre, democrata e inovadora.

E o país? Um país à imagem de Cascais. Nos 656 anos de Cascais, o nosso mote é o reforço da identidade, da promoção da cultura, da gestão das memórias e por outro lado da capacidade de fazer por nós, de inovar e de olhar com optimismo e determinação o futuro. Porque nós Cascalenses temos orgulho no nosso passado, trabalhamos arduamente no nosso presente e estamos preparados para enfrentar sem medo o futuro. Chamando a nós, sem o velho fado do queixume, o desenho do nosso destino. É por isso, pelo futuro que constrói e pelo passado que honra, que Cascais está de parabéns!